"Tenho feito minha obrigação nomeando-me, fazei vossa cortesia correspondendo-me"

Textos falantes porque exigem resposta, diálogo...O título é inspirado em "Relógios Falantes" de D. Francisco Manuel de Melo, um apólogo dialogal em que o autor coloca em discussão dois relógios de igreja: o de Chagas em Lisboa e o da vila de Belas, criticando a hipocrisia e frivolidade dos seres humanos. Fiquemos com o diálogo e ignoremos a superioridade moral, a pior das doenças, segundo Agustina. Diálogo com outros textos , outras artes que nos convocam para uma conversa que nos nomeia.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Coisas que nunca deverão mudar em Portugal


Porque para "alimentar" um blog é preciso tempo e o tempo falta-me, há muito deixei "textosfalantes" a morrer de fome... Mas os meus alunos deste ano preparam-se para realizar trabalhos sobre poesia que, espero, vão merecer publicação neste espaço. Em jeito de provocação deixo-vos a carta que o embaixador de Inglaterra, Alex Ellis, publicou no Expresso, na hora de despedida do nosso país,como resposta ao nosso fatal gosto pela auto-comiseração. E lanço o desafio...vamos acrescentar mais coisas à lista? Que tal, para 11º - o gosto pela poesia?

 Coisas que nunca deverão mudar em Portugal

Portugueses: 2010 tem sido um ano difícil para muitos; incerteza, mudanças, ansiedade sobre o futuro. O espírito do momento e de pessimismo, não de alegria. Mas o ânimo certo para entrar na época natalícia deve ser diferente. Por isso permitam-me, em vésperas da minha partida pela segunda vez deste pequeno jardim, eleger dez coisas que espero bem que nunca mudem em Portugal. 

1. A ligação intergeracional. Portugal é um país em que os jovens e os velhos conversam - normalmente dentro do contexto familiar. O estatuto de avô é altíssimo na sociedade portuguesa - e ainda bem. Os portugueses respeitam a primeira e a terceira idade, para o benefício de todos.

2. O lugar central da comida na vida diária. O almoço conta - não uma sandes comida com pressa e mal digerida, mas uma sopa, um prato quente etc, tudo comido à mesa e em companhia. Também aqui se reforça uma ligação com a família.

3. A variedade da paisagem. Não conheço outro pais onde seja possível ver tanta coisa num dia só, desde a imponência do rio Douro até à beleza das planícies do Alentejo, passando pelos planaltos e pela serra da Beira Interior.

4. A tolerância. Nunca vivi num país que aceita tão bem os estrangeiros. Não é por acaso que Portugal é considerado um dos países mais abertos aos emigrantes pelo estudo internacional MIPEX.

5. O café e os cafés. Os lugares são simples, acolhedores e agradáveis; a bebida é um pequeno prazer diário, especialmente quando acompanhado por um pastel de nata quente.

6. A inocência. É difícil descrever esta ideia em poucas palavras sem parecer paternalista; mas vi no meu primeiro fim de semana em Portugal, numa festa popular em Vila Real, adolescentes a dançar danças tradicionais com uma alegria e abertura que têm, na sua raiz, uma certa inocência.

7. Um profundo espírito de independência. Olhando para o mapa ibérico parece estranho que Portugal continue a ser um país independente. Mas é e não é por acaso. No fundo de cada português há um espírito profundamente autónomo e independentista.

8. As mulheres. O Adido de Defesa na Embaixada há quinze anos deu-me um conselho precioso: "Jovem, se quiser uma coisa para ser mesmo bem feita neste país, dê a tarefa a uma mulher". Concordei tanto que me casei com uma portuguesa.

9. A curiosidade sobre, e o conhecimento, do mundo. A influência de "lá" é evidente cá, na comida, nas artes, nos nomes. Portugal é um pais ligado, e que quer continuar ligado, aos outros continentes do mundo.

10. Que o dinheiro não é a coisa mais importante no mundo. As coisas boas de Portugal não são caras. Antes pelo contrário: não há nada melhor do que sair da praia ao fim da tarde e comer um peixe grelhado, acompanhado por um simples copo de vinho.

Então, terminaremos a contemplação do país não com miséria, mas com brindes e abraços. Feliz Natal
Segunda feira, 20 de Dezembro de 2010

domingo, 20 de junho de 2010

Saramago, a consistência dos sonhos


 Lembram-se da exposição sobre a vida e obra de José Saramago que visitámos no Palácio da Ajuda no 10º ano? Chamava-se “ A consistência dos sonhos” Nesta hora de despedida, faço um apelo: vamos dar consistência aos sonhos do escritor! Façamos dos seus sonhos, os nossos sonhos: o de um mundo mais justo, com menos desigualdades, um mundo mais digno, mais humano, com respeito pela diferença… A sua prodigiosa imaginação deixou-nos pistas para a concretização desses sonhos: em forma de alegoria, cada livro seu ( ou cada “pintura na parede” forma como se referia ao ofício de escrever, com método, disciplina e prazer) nos lançou uma reflexão, uma imagem de um mundo capaz de se pensar, de ultrapassar a cegueira e ver por dentro das coisas…
 Deixo-vos o último “post”do também bloguista, José Saramago in http://caderno.josesaramago.org/
Pensar, pensar
Junho 18, 2010 por Fundação José Saramago
Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma.
Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008

Recordo o discurso na Real Academia Sueca. Deixo-vos excertos, mas podem lê-lo na íntegra em: http://nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1998/lecture-p.html
Gostaria de ouvir “ a voz que leu estas palavras” mas não estou a conseguir abrir a gravação. Se alguém conseguir um vídeo ou gravação deste texto, por favor, diga-me.

De como a Personagem Foi Mestre e o Autor Seu Aprendiz
O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável. Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de ferro que accionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a transportei ao ombro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho, panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria de servir para a cama do gado. E algumas vezes, em noites quentes de Verão, depois da ceia, meu avô me disse: "José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira". Havia outras duas figueiras, mas aquela, certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre, era, para toda as pessoas da casa, a figueira. Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz nocturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direcção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago, como ainda lhe chamávamos na aldeia. Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava. Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não deixar em meio a resposta à pergunta que invariavelmente lhe fazia nas pausas mais demoradas que ele calculadamente metia no relato: "E depois?". Talvez repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer, quer fosse para as enriquecer com peripécias novas. Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa. Minha avó, já a pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tigela de café com pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me tranquilizava: "Não faças caso, em sonhos não há firmeza". Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras. Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprias filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver.
Muitos anos depois, escrevendo pela primeira vez sobre este meu avô Jerónimo e esta minha avó Josefa (faltou-me dizer que ela tinha sido, no dizer de quantos a conheceram quando rapariga, de uma formosura invulgar), tive consciência de que estava a transformar as pessoas comuns que eles haviam sido em personagens literárias e que essa era, provavelmente, a maneira de não os esquecer, desenhando e tornando a desenhar os seus rostos com o lápis sempre cambiante da recordação, colorindo e iluminando a monotonia de um quotidiano baço e sem horizontes, como quem vai recriando, por cima do instável mapa da memória, a irrealidade sobrenatural do país em que decidiu passar a viver.
(…) À minha árvore genealógica (perdoe-se-me a presunção de a designar assim, sendo tão minguada a substância da sua seiva) não faltavam apenas alguns daqueles ramos que o tempo e os sucessivos encontros da vida vão fazendo romper do tronco central, também lhe faltava quem ajudasse as suas raízes a penetrar até às camadas subterrâneas mais fundas, quem apurasse a consistência e o sabor dos seus frutos, quem ampliasse e robustecesse a sua copa para fazer dela abrigo de aves migrantes e amparo de ninhos. Ao pintar os meus pais e os meus avós com tintas de literatura, transformando-os, de simples pessoas de carne e osso que haviam sido, em personagens novamente e de outro modo construtoras da minha vida, estava, sem o perceber, a traçar o caminho por onde as personagens que viesse a inventar, as outras, as efectivamente literárias, iriam fabricar e trazer-me os materiais e as ferramentas que, finalmente, no bom e no menos bom, no bastante e no insuficiente, no ganho e no perdido, naquilo que é defeito mas também naquilo que é excesso, acabariam por fazer de mim a pessoa em que hoje me reconheço: criador dessas personagens, mas, ao mesmo tempo, criatura delas. Em certo sentido poder-se-á mesmo dizer que, letra a letra, palavra a palavra, página a página, livro a livro, tenho vindo, sucessivamente, a implantar no homem que fui as personagens que criei. Creio que, sem elas, não seria a pessoa que hoje sou, sem elas talvez a minha vida não tivesse logrado ser mais do que um esboço impreciso, uma promessa como tantas outras que de promessa não conseguiram passar, a existência de alguém que talvez pudesse ter sido e afinal não tinha chegado a ser.
(…) Aproximam-se agora um homem que deixou a mão esquerda na guerra e uma mulher que veio ao mundo com o misterioso poder de ver o que há por trás da pele das pessoas. Ele chama-se Baltasar Mateus e tem a alcunha de Sete-Sóis, a ela conhecem-na pelo nome de Blimunda, e também pelo apodo de Sete-Luas que lhe foi acrescentado depois, porque está escrito que onde haja um sol terá de haver uma lua, e que só a presença conjunta e harmoniosa de um e do outro tornará habitável, pelo amor, a terra. Aproxima-se também um padre jesuíta chamado Bartolomeu que inventou uma máquina capaz de subir ao céu e voar sem outro combustível que não seja a vontade humana, essa que, segundo se vem dizendo, tudo pode, mas que não pôde, ou não soube, ou não quis, até hoje, ser o sol e a lua da simples bondade ou do ainda mais simples respeito. São três loucos portugueses do século XVIII, num tempo e num país onde floresceram as superstições e as fogueiras da Inquisição, onde a vaidade e a megalomania de um rei fizeram erguer um convento, um palácio e uma basílica que haveriam de assombrar o mundo exterior, no caso pouco provável de esse mundo ter olhos bastantes para ver Portugal, tal como sabemos que os tinha Blimunda para ver o que escondido estava... E também se aproxima uma multidão de milhares e milhares de homens com as mãos sujas e calosas, com o corpo exausto de haver levantado, durante anos a fio, pedra a pedra, os muros implacáveis do convento, as salas enormes do palácio, as colunas e as pilastras, as aéreas torres sineiras, a cúpula da basílica suspensa sobre o vazio. Os sons que estamos a ouvir são do cravo de Domenico Scarlatti, que não sabe se deve rir ou chorar... Esta é a história de Memorial do Convento, um livro em que o aprendiz de autor, graças ao que lhe vinha sendo ensinado desde o antigo tempo dos seus avós Jerónimo e Josefa, já conseguiu escrever palavras como estas, donde não está ausente alguma poesia: "Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu". Que assim seja.
(…)Termino. A voz que leu estas páginas quis ser o eco das vozes conjuntas das minhas personagens. Não tenho, a bem dizer, mais voz que a voz que elas tiverem. Perdoai-me se vos pareceu pouco isto que para mim é tudo.

Deixo-vos ainda um vídeo do Jornal da Globo (canal de televisão brasileiro). Reparem no pormenor dos relógios parados às 4 horas da tarde. Essa é a hora que conta…a hora em que se recomeça a viver.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Revisão da matéria...em jeito de despedida

"É óbvia a observação que onde se violenta o homem, violenta-se também a linguagem." Primo Lévi
"Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo", Wittgenstein

Duas formas de dizer a importância da linguagem, é através dela que o Homem se faz; alargando o território da linguagem, alargamos o território do nosso mundo. A literatura, sendo linguagem carregada de sentido ou sentidos, interpela-nos, convoca-nos para um diálogo que nos forma e nos transforma. Só podemos ser pessoas interessantes se formos pessoas interessadas…não deixes que a ditadura do banal te subjugue, a literatura, a poesia, a pintura, o cinema, a arte em geral move-nos os afectos e activa a inteligência, apela-nos para que estejamos atentos, recusando o que é fácil, não abdicando da reconstrução de um mundo inteiro, puro e justo. Por isso te digo:
Com Pessoa interroga-te sobre quantos há em ti, busca a unidade na diversidade dos “eus” :
O eu Caeiro, mestre de todos nós porque não se pensa, porque olha o mundo sem o interrogar, apenas vê: vê o rio, a montanha, a flor e espanta-se a cada dia com a eterna novidade do mundo.
O eu Campos entre o fascínio pela máquina e a angústia de “ não ter trazido o passado roubado na algibeira” ou o desejo de “sentir tudo de todas as maneiras”.
O eu Reis que imitando os deuses na tranquilidade, na serenidade, vê de longe o tumulto e o sofrimento…e se, por vezes, é preciso abdicar, desenlaçar as mãos, convém lembrar a Lídia que “cada dia nos é dado uma só vez”….
Mas também o eu de Mensagem que se recusa a ser “cadáver adiado que procria”, incitando-nos à descoberta de ilhas escondidas no interior de nós mesmos, esse longe, essa distância, esse divino que está em nós, encoberto pelo nevoeiro da matéria, do ruído, do real.
Com Camões escuta a voz modelar, navega até à Ilha dos Amores e entende que só pelo Amor e pelo Conhecimento nos descobrimos e transcendemos. E não sejas nunca “gente surda e endurecida”, reconhece e estima os teus heróis, os teus poetas.
Com Sttau Monteiro recorda que “há homens que obrigam todos os outros homens a reverem-se por dentro”, que nos confrontam com exemplos de coragem e integridade, homens que se inscrevem, que afirmam as suas convicções, sem medo. Esses, quando morrem, deixam-nos o exemplo a seguir porque “felizmente há luar” e “todos somos chamados, pelo menos uma vez, a desempenhar um papel que nos supera”.
Com Saramago olha por dentro a humanidade, voa na passarola dos sonhos e acredita que a vontade dos homens pode mudar o mundo.
Todos estes autores, com a sua palavra poética, se empenharam na transformação da realidade, todos eles se inscreveram no seu tempo e para além dele, videntes do futuro, criadores de um mundo novo que podemos almejar ou ficar indiferente… a escolha é nossa.Com os poetas, com os ficcionistas escuta o teu coração e um dia, miraculosamente, aparecer-te-á a evidência do que dizem, porque será a tua evidência, a tua verdade, pois são os teus olhos, sempre os teus olhos que vêem o mundo e podes direccioná-los no sentido da “eterna busca da perfeição das coisas”.
Inventa a tua história, escreve aquele verso que é só teu, original e único com o qual comporás o poema da vida e …
SÊ FELIZ!
Um beijo da professora
Manuela Inácio


sábado, 5 de junho de 2010

Quino em diálogo com o mundo


Tema para reflexão: os valores da sociedade actual. Recordo a revolta de Matilde no final de Felizmente há luar quando se questiona sobre o desfasamento entre os valores que defende e aqueles pelos quais a sociedade se rege:
"Matilde - Ensina-se-lhes que sejam valentes, para um dia virem a ser julgados por covardes!
 Ensina-se-lhes que sejam justos, para viverem num mundo em que reina a injustiça!
 Ensina-se-lhes que sejam leais, para que a lealdade um dia, os leve à forca!
( Levanta-se)
 Não seria mais humano, mais honesto, ensiná-los de pequeninos, a viverem em paz com a hipocrisia do mundo?
(Pausa)
 Quem é mais feliz: o que luta por uma vida digna e acaba na forca , ou o que vive em paz com a sua inconsciência e acaba respeitado por todos?
( Encaminha-se para uma cómoda velha que surge, iluminada à esquerda)
 Se o meu filho fosse vivo, havia de fazer dele um homem de bem, desses que vão ao teatro e a tudo assistem, com sorrisos alarves, fingindo nada terem a ver com o que se passa em cena!
( Pausa)
 Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa do que da alma.
( Abre uma gaveta da cómoda e tira dela  um uniforme velho de Gomes Freire)
 Se o meu filho fose vivo...Havia de morrer de velhice e de gordura, com a consciência tranquila e o peito a abarrotar de medalhas!
(Coloca o uniforme de Gomes Freire sobre a cadeira)
 Tudo isso o meu homem poderia ter sido...
( Acaricia o uniforme)
 Se tivesse sido menos homem..."

Memorial do Convento em diálogo com a pintura


Martírio de São Sebastião - Autor: Gregório Lopes (1490 - 1550); Ano: 1536-38; Tipo: óleo sobre madeira; Dimensões: 119 x 244 cm; Local: Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa)
" À frente, por serem de maior grandeza corporal e portanto lhes caber justa capitania, vão S. Vicente e S. Sebastião, ambos mártires, embora do martírio daquele não se veja outro sinal que a simbólica palma, o resto são atavios de diácono e emblemático corvo, ao passo que o outro santo se apresenta na conhecida nudez, atado à árvore, com aqueles mesmos buracos de horríveis feridas, donde por prudência se desencaixaram os dardos, não fossem partir-se durante a viagem."
in Memorial do Convento ( capítulo XXIII).
Para melhor entender esta passagem, convém pesquisar sobre estes dois mártires:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vicente_de_Sarago%C3%A7a
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Sebasti%C3%A3o

 Proponho ainda que observem este quadro de Gregório Lopes que representa o Martírio de S. Sebastião.
Tal como para lermos um texto escrito precisamos de um vocabulário e de uma técnica, também o texto pictórico nos exige ferramentas de análise, não nos devemos limitar à primeira impressão que a obra suscita, mas partir para uma análise e interpretação.
Sugestão de grelha para a observação de um quadro:

Parte I Preliminares
Autor da obra
Em que época foi feita
Destino da obra
Técnica utilizada
Natureza do material de suporte
Dimensões
Estado de conservação
Onde se encontra

Parte II Orientação
Género de trabalho( retrato, cena religiosa,, cena histórica, paisagem, natureza morta, composição abstracta, colagem, etc.)
Assunto (identificação, disposição e descrição das coisas representadas)
Estilo / Movimento que representa

Parte III Explicação
Espaço plástico (perspectiva;sobreposição de figuras;reduções implícitas; tendência para bidimensionalide ou para a profundidade)
Composição
Construção ( linhas directizes)
Cores e a sua natureza
Iluminação
Linhas, contornos
Proporções
Movimento e ritmo
Execução

( adaptado a partir de Seminário de Ensino à Distância - 2º Semestre 2009-2010 - Helena Barbas com base no último capítulo de Découverte de la Peinture, de René Berger, Marabout- 3º volume)
Sugiro ainda a consulta de um glossário de termos de arte:
http://www.ipv.pt/artgloss/